Introdução
Nas últimas décadas,
o setor agropecuário tem passado por profundas transformações. O interesse em
maximizar a produção tem estimulado os produtores a adotarem práticas avançadas
de manejo da cultura e do solo. A obtenção de elevados rendimentos é uma
necessidade em função dos altos custos de produção e a crescente
competitividade a que todos os produtores estão sujeitos no mundo a cada dia
mais globalizado. No entanto, de nada adianta o produtor utilizar as mais
diferentes alternativas tecnológicas, se não utilizar de forma racional os
recursos disponíveis, na busca da rentabilidade de sua atividade. Portanto, as
inovações tecnológicas devem vir acompanhadas de rentabilidade ao produtor.
Nesse sentido, a
agricultura de precisão se propõe a aumentar a eficiência e a rentabilidade da
atividade agropecuária, com base no manejo localizado respeitando a
variabilidade de solo, planta e microclima existente na área (Amado &
Santi, 2007). Para Dobermann & Ping (2004), a agricultura de precisão é uma
forma moderna de gerenciamento da atividade agrícola que objetiva aplicar os
insumos no local correto (espaço), no momento adequado (tempo), nas quantidades
necessárias (quantidade) à produção e com a fonte correta, para áreas cada vez
menores e homogêneas tanto quanto a tecnologia e os custos envolvidos permitam
manter a rentabilidade.
Os trabalhos em
agricultura de precisão têm se concentrado sobre o manejo da variabilidade de
atributos químicos do solo, pois em várias situações de campo, os benefícios
gerados trazem ganhos imediatos tanto na racionalização no uso de insumos como
na elevação da produtividade. No entanto, muitas vezes, o entendimento dos
usuários de agricultura de precisão limita-se a aplicação de insumos a taxa
variada sem mesmo investigar se esse é realmente a principal causa da
variabilidade da produtividade em sua área (Amado & Santi, 2007).
Em alguns casos,
parece que o uso da agricultura de precisão fica atrelado como sendo
privilégios de poucos produtores capitalizados devido aos custos envolvidos na
amostragem intensiva de solo, análises de laboratório de solo e plantas,
aquisição de distribuidores de fertilizantes à taxa variada, colhedoras
equipadas com sensores de rendimento, consultoria técnica para geração de mapas,
entre outros. Nesse sentido, é importante desmistificar isso e entender a
agricultura de precisão como sendo uma ferramenta tecnológica de gerenciamento
que pode direcionar a utilização dos fatores de produção conduzindo ao
aprimoramento do manejo na busca da eficiência produtiva. O aprimoramento do
gerenciamento é uma necessidade atual de todas as propriedades agrícolas,
independente do seu tamanho ou capacidade de investimento. Através do melhor
gerenciamento dos talhões que compõem a propriedade agrícola obtem-se maior
eficiência e retorno econômico. Entretanto, é importante, segundo Pires et al.
(2004), que se tenha consciência de que os benefícios esperados com a
agricultura de precisão são dependentes de fatores como variabilidade
encontrada em cada área, tecnologia, condições climáticas e soluções de manejo
empregadas, entre outras.
Aliado a isso é
imprescindível que o usuário da agricultura de precisão mantenha-se atento ao
adequado manejo dos demais fatores de produção, também muito importantes na busca
de eficiência e competitividade da sua atividade. O rendimento de grãos de uma
cultura qualquer é o resultado da interação entre vários fatores. Alguns
estudos que visam a identificar os fatores determinantes do rendimento de grãos
quantificam-nos em 52, entre controláveis e incontroláveis. Destes, 45 são
controláveis e sete, representados, por exemplo, por precipitação pluvial,
temperatura e concentração de gases na atmosfera, somente podem ser manejados
indiretamente (Tisdale et al., 1993; Summer, 2009).
A adoção massiva de
novas práticas de manejo é sempre difícil, principalmente quando estas
representam modificações em práticas consolidadas e tradicionais (Pires et al.,
2004). Para os autores, a adoção e a disseminação do sistema plantio direto no Brasil
foram marcadas por dificuldades e incertezas. A agricultura de precisão passa
pela mesma situação, principalmente quando usada em condições diferentes
daquela para a qual foi concebida (países desenvolvidos, agricultura
subsidiada, politica agrícola definida). Adaptações e inovações são necessárias
para o sucesso da agricultura de precisão em países em desenvolvimento, e
acredita-se que as pesquisas participativas envolvendo produtores, empresas
privadas, universidades e institutos de pesquisa são essenciais. Neste
contexto, ressalta-se a importância do Projeto Aquarius
(www.ufsm.br/projetoaquarius) para o avanço da agricultura de precisão no Rio
Grande do Sul. Este projeto ao longo de dez anos de sua existência tem
desenvolvido conhecimento e validou equipamentos e tecnologias para o Sul do
Brasil.
A CCGL/Fundacep como
Centro de Experimentação e Pesquisa do sistema cooperativo do Rio Grande do Sul
está empenhada na busca de uma agropecuária mais sustentável, tendo sido uma
das instituições que contribuiu para a adoção do plantio direto. No caso da
agricultura de precisão, certamente existirão muitas limitações tecnológicas a
serem superadas no processo de adoção. No entanto, acredita-se que a integração
de esforços, juntamente com o trabalho desenvolvido por outras instituições,
possibilitará a transferência e validação de tecnologias, que certamente
contribuirão para tornar a agricultura de precisão uma realidade.
O Projeto Cooperativo de
Agricultura de Precisão – APcoop
A agricultura de
precisão alia tecnologia (máquinas, equipamentos, eletrônica embarcada,
geotecnologias, programas computacionais e pessoal especializado) com
conhecimento. Neste sentido a CCGL/Fundacep em parceria com a UFSM (Setor de
Uso, Manejo e Conservação do Solo e Água e Laboratório de Geomática)
implementou um projeto de apoio visando estimular a adoção da agricultura de
precisão no sistema cooperativo do RS.
Os principais objetivos do Projeto
Cooperativo (APcoop) são:
- Fornecer susbsídios técnicos ao sistema
cooperativo através da realização de cursos e treinamentos em agricultura
de precisão;
- Implementar um programa de pesquisa em
agricultura de precisão em áreas pilotos junto às cooperativas
mantenedoras;
- Estimular a troca de experiências e parcerias
entre cooperativas e instituições.
Principais Atividades Desenvolvidas
e Abrangência do APcoop
Um conjunto
considerável de ações que a CCGL/Fundacep e a UFSM tem desenvolvido no programa
de apoio a adoção da agricultura de precisão pelo sistema cooperativo do RS.
Observou-se uma motivação significativa ao processo de adoção e a necessidade
de repassar informações básicas sobre o tema. Foram realizados em 2007, 2008 e
2009, vários cursos e treinamentos, que ocorreram em módulos por assunto de
interesse, abordando aspectos técnicos relativos aos procedimentos envolvidos,
objetivando qualificar os assistentes técnicos das cooperativas envolvidas. Os
primeiros itens desenvolvidos foram: tamanho de malha para amostragem de solo,
profundidade de amostragem, tempo para reamostragem, teores críticos de
nutrientes no solo, doses a serem aplicadas à taxa variada, retorno econômico,
treinamento especifico com Software Campeiro 6.0 na geração de mapas de
atributos de solo e de prescrições de intervenções de manejo localizado,
treinamento com empresas parceiras do Projeto Aquarius em mapas de rendimento e
distribuidores à taxa variada e interpretação de resultados. Adicional a isto,
inúmeras palestras e dias de campo foram realizados objetivando desmistificar e
esclarecer aos produtores associados das cooperativas envolvidas, o potencial
que agricultura de precisão representa na atual conjuntura.
Também foram
realizadas reuniões de capacitação dos departamentos técnicos das cooperativas
com os professores Telmo Amado e Enio Giotto (UFSM) e o com pesquisador Jackson
E. Fiorin, em Cruz Alta (RS).
Segundo a avaliação
do Coordenador do Projeto APcoop, Jackson E. Fiorin, os resultados são
animadores, pois até o momento, 15 cooperativas já estão estruturadas e
oferecendo esta ferramenta tecnológica aos seus associados. É oportuno relatar
que, anterior a isto, algumas cooperativas por iniciativa própria já tinham
adotado a agricultura de precisão como uma prioridade nas suas ações e
pioneiramente iniciado atividades em alguns produtores.
Além do treinamento
da equipe técnica especializada em agricultura de precisão, as cooperativas
investiram na aquisição de equipamentos para amostragem de solo (quadriciclos),
distribuidores à taxa variada, GPS, penetrômetros (avaliar o estado de
compactação do solo) e sensores de rendimento. Estes equipamentos pelo seu
custo seriam inacessíveis aos pequenos produtores, porém quando adquiridos pela
cooperativa, que presta esse serviço, adicionalmente aos outros serviços que já
tradicionalmente oferece, se torna viável. Além disso, os pequenos produtores
associados da Cotrijal (Não-Me-Toque), receberam algumas noções sobre os
conceitos de agricultura de precisão e informações sobre a aplicação de
fertilizantes à taxa variada, através do departamento técnico da cooperativa.
Sem isso, esses produtores não poderiam ter os benefícios dos avanços tecnológicos.
Outro fator que favorece o desenvolvimento da agricultura de precisão nas
cooperativas é que a evolução do gerenciamento e controle das atividades
agrícolas é gradativa necessitando algumas safras para que todos os fatores
limitantes ao rendimento sejam minimizados. Para tanto, faz-se necessário um
acompanhamento técnico freqüente ao produtor durante algumas safras. Isso é
possível através dos departamentos técnicos das cooperativas.
Na Cotripal
(Panambi), que iniciou os trabalhos em 2007, vários produtores relataram que
suas lavouras ficaram mais uniformes. O Engo Agro Dênio Oerlecke, Supervisor da
Área Técnica, explica que muitos produtores escolhem um talhão das suas áreas
para experimentar a tecnologia, mas já no ano seguinte optam por expandir para
os demais talhões.
Com base num
levantamento de informações prestadas pelos departamentos técnicos das
cooperativas vinculadas à CCGL/Fundacep, a agricultura de precisão no sistema
cooperativo do RS já conta com a adesão de 894 produtores. A abrangência desse
processo de adoção no sistema cooperativo pode ser melhor visualizada na Figura 1, e encontra-se
distribuída em 90 municípios do RS. A área em que efetivamente já foi utilizado
algum tipo de ferramenta de gricultura de precisão totaliza aproximadamente
81.556 hectares.
Figura 1. Área de abrangência da adoção da
agricultura de precisão no sistema cooperativo do RS. Fundacep. Cruz Alta, RS,
2009.
A condução das áreas
de pesquisas em parceria da CCGL/Fundacep e UFSM servirá de base na geração de
informações, bem como tem papel importante em adaptar a tecnologia para as
diferentes realidades de propriedades na área de abrangência das cooperativas, inclusive
desenvolvendo conhecimento em outras áreas relacionadas. As áreas de pesquisas
são constituídas normalmente em áreas de produtores, associados de
cooperativas, vinculadas a CCGL/Fundacep. Até o momento são em numero de 18
áreas de pesquisa distribuídas em diferentes regiões do Estado.
A aplicação de
fertilizantes à taxa variada e em tempo real utilizando sensores é um assunto
ainda novo no Brasil. Através das parcerias multi-institucionais esta
tecnologia está sendo avaliada em áreas de milho e trigo no RS. O conceito por
trás desta tecnologia é de que as informações referentes ao estado nutricional
da cultura são obtidos diretamente a campo, momentos antes da aplicação. Além
disto, o número de informações que se obtém por hectare é muito elevado, podendo
resultar em 250 a 300 doses de taxa variada em um único hectare de acordo com a
variabilidade encontrada no campo. Outro aspecto é que não envolve análises de
laboratório pois o estado nutricional é determinado indiretamente por sensores
óticos. Na Figura 2 é apresentada uma das primeiras áreas no Brasil onde este
conceito de fertilização foi implementado. O N-sensor foi importado da Alemanha
em 2009 pela Yara e disponibilizado ao Projeto Aquarius. Um importante trabalho
de engenharia entre técnicos da Yara e da Stara possibilitaram a comunicação do
sensor com o distribuidor, de modo que em uma só passada na lavoura se obtenha
o diagnóstico e a aplicação. Agora a pesquisa agronômica precisa comprovar a
eficiência da tecnologia comparada com as tradicionais.
Figura 2.
Experimento com aplicação de nitrogênio à taxa variada e em tempo real com o
N-Sensor na cultura do milho. Reunidos técnicos da Stara (distribuidor de
fertilizante), Yara (N-Sensor), UFSM e Fundacep (pesquisadores), Massey
Ferguson e Cotrijal.
Neste programa de
apoio à adoção da agricultura de precisão no sistema cooperativo, a
CCGL/Fundacep viabilizou a ampliação e modernização do laboratório de análises
de solo. A modernização do laboratório de solos resultou em várias melhorias na
infra-estrutura, na aquisição de aparelhos de última geração e na construção de
um novo laboratório análises de solos. A nova estrutura projetada objetiva
ampliar o número de amostras realizadas e qualificar os seus resultados, mas,
prioritariamente, propõe reduzir o tempo entre o recebimento da amostra e a
emissão do laudo de análise. Esse é um fator essencial para agricultura de
precisão pois o espaço entre a amostragem do solo e a intervenção à taxa
variada é pequeno.